O DOGMA DA VIRGINDADE PERPÉTUA DE MARIA E OS ORTODOXOS
O DOGMA PERPÉTUO DE MARIA E OS ORTODOXOS
Traduzimos o artigo de um padre ortodoxo, o qual faz uma belíssima defesa do Dogma da Virgindade Perpétua da Mãe de Deus!
Arquidiocese Ortodoxa Grega da América (𝘎𝘳𝘦𝘦𝘬 𝘖𝘳𝘵𝘩𝘰𝘥𝘰𝘹 𝘈𝘳𝘤𝘩𝘥𝘪𝘰𝘤𝘦𝘴𝘦 𝘰𝘧 𝘈𝘮𝘦𝘳𝘪𝘤𝘢)
Por 𝙋𝙖𝙙𝙧𝙚 𝙅𝙤𝙝𝙣 𝙃𝙖𝙞𝙣𝙨𝙬𝙤𝙧𝙩𝙝
No ano passado, para a Festa da Natividade, dei uma palestra sobre uma das reivindicações centrais da fé cristã: o nascimento virginal de Cristo. Tudo estava bem até que usei de passagem a frase "sempre virgem" com referência à Mãe do Senhor. Alguém perguntou: "Você realmente quer dizer que Maria permaneceu virgem depois do nascimento de Jesus?" Eu disse que sim, isso é o que a Igreja Ortodoxa ensina. A expressão de espanto e surpresa nos rostos do público disse tudo: O milagre do nascimento virginal é uma coisa, mas abstinência vitalícia da sexualidade? Isso é impossível!
A vida de monges e ascetas em todo o mundo e ao longo da história atesta o fato de que isso é possível. A pureza sexual é apenas um dos muitos desafios colocados para estes guerreiros espirituais, e para muitos, talvez a maioria deles, não é o maior. Os ortodoxos não têm dificuldade, então, no considerar a sempre virgindade de Maria um fato inegociável e sua alternativa impensável. Mas por que deveria ser necessariamente assim? Por que insistir na ideia de que Maria (que era casada, afinal) não teve uma vida de casada "normal"?
Uma Tradição Consistente e Ininterrupta:
A questão pode ser invertida. Por que não acreditar na sua virgindade eterna? A Igreja Oriental testemunhou firmemente a virgindade perpétua da 𝙏𝙝𝙚𝙤𝙩𝙤𝙠𝙤𝙨 por dois mil anos e não dá sinais de cansaço. No Ocidente, a ideia era amplamente indiscutível até o final da Reforma; até Lutero e Calvino aceitaram a tradição.
Na verdade, para sugerir (a) que a tradição sobre sua virgindade perpétua poderia ter sido introduzida após os tempos apostólicos, (b) que essa tradição teria sido pouco notada por uma Igreja no estertor de questionar tudo sobre o que acreditava no primeiro milênio, (c) que tal nova tradição deve ser considerada inconsequente o suficiente para passar sem discussão antes de se tornar universalmente proclamada, e (d) que tal tradição não deve ter origem literária ou geográfica discernível e ainda assim ser universalmente aceita desde muito cedo na história da Igreja, deve formar uma hipótese muito improvável.
Separada para Deus:
Argumentar contra a virgindade perpétua de Maria é sugerir outra coisa que é muito implausível, para não dizer impensável: que nem Maria nem seu protetor, José, teriam considerado impróprio ter relações sexuais após o nascimento de Deus na carne. Deixando de lado por um momento a total singularidade da Encarnação da Segunda Pessoa da Trindade, lembre-se de que era prática dos judeus devotos, no mundo antigo, absterem-se de atividades sexuais após qualquer grande manifestação do Espírito Santo.
Uma tradição rabínica popular do início do primeiro século (registrada pela primeira vez por Filo, 20 a. C. -- 50 d.C.) observa que Moisés "separou-se" de sua esposa Zíporah quando voltou de seu encontro com Deus na sarça ardente. Outra tradição rabínica, relativa à escolha dos anciãos de Israel em Números 7, relata que depois que Deus operou entre eles, um homem exclamou: "Ai das esposas desses homens!" Não consigo imaginar que o sujeito à esquerda dele respondesse: "O que você quer dizer, Joe?" O significado da declaração teria ficado imediatamente patente.
Quer essas histórias relatem eventos reais ou não, elas expressam a piedade popular em Israel na época do nascimento de Cristo. Tal cultura entendia a virgindade e a abstinência não como uma mera rejeição de algo agradável - com qual fim? - mas como algo naturalmente assumido por alguém cuja vida foi consagrada pelo Espírito do Senhor para ser um vaso de salvação para o Seu povo. Os séculos intermediários de condicionamento social, religioso e filosófico nos fizeram suspeitar da virgindade e da castidade de uma forma que ninguém no tempo do Senhor teria suspeitado.
Maria tornou-se o vaso para o próprio Senhor da Glória, e deu à luz na carne Aquele que o céu e a terra não podem conter. Isso não seria motivo para considerar sua vida -- incluindo seu corpo -- como consagrada a Deus e somente a Deus? Ou seria mais plausível que ela ignorasse tudo e continuasse a cuidar da casa da maneira usual? Considere que o incidente poeticamente paralelo da entrada do Senhor pelo portão leste do Templo (em Ezequiel 43-44) leva ao chamado: "Este portão será fechado; não será aberto, e ninguém entrará por ele, pois o Senhor Deus de Israel entrou por tal; portanto, será fechado" (44, 2).
E então há o caráter de José a considerar-se. Certamente a concepção milagrosa de sua esposa e o nascimento de seu filho (confirmados pelo anjo em visões oníricas) e a visão de Deus Encarnado na face do menino Cristo teriam sido suficientes para convencê-lo de que seu casamento estava separado da norma comum. Dentro do próprio corpo de Maria residia a Segunda Pessoa da Trindade. Se tocar a arca da aliança custou a Uzá sua vida, e se até mesmo os rolos contendo a Lei, os Salmos e os Profetas foram venerados, certamente José, homem de Deus que foi, não teria ousado nem desejado se aproximar de Maria, a escolhida de Israel, o trono de Deus, para reivindicar seus "direitos conjugais"!
Os "irmãos" do Senhor:
Existem várias questões baseadas nas Escrituras que são frequentemente levantadas por aqueles céticos sobre a doutrina da sempre virgindade de Maria. A primeira delas envolve as passagens que afirmam explicitamente que o Senhor tinha "irmãos". Existem nove dessas passagens: Mateus 12, 46-47 e 13, 55-56; Marcos 3, 31-32 e 6, 3; Lucas 8,19-20; João 2,12 e 7, 3-5; Atos 1,14; e 1 Coríntios 9, 5. A palavra grega usada em todas essas passagens e geralmente traduzida como "irmão" é 𝙖𝙙𝙚𝙡𝙥𝙝𝙤𝙨.
A Septuaginta, a antiga tradução grega das Escrituras Hebraicas usada pelos apóstolos (abreviada com LXX), inclui palavras específicas para "primo", notadamente 𝙖𝙙𝙚𝙡𝙥𝙝𝙞𝙣𝙤𝙨 e 𝙖𝙣𝙚𝙥𝙨𝙞𝙤𝙨, mas raramente são usadas. A palavra menos específica 𝙖𝙙𝙚𝙡𝙥𝙝𝙤𝙨, que pode significar "irmão", "primo", "parente", "companheiro na fé" ou "conterrâneo", é usada consistentemente em toda a LXX, mesmo quando primo ou parente é claramente a relação descrita (como em Gênesis 14,14, 16; 29,12; Levítico 25,49; Jeremias 32, 8, 9, 12; Tobias 7,2; etc.). Ló, por exemplo, que era sobrinho de Abraão (cf. Gênesis 11, 27-31), é chamado de seu irmão em Gênesis 13, 8 e 11, 14-16. A questão é que a palavra grega comumente usada para um parente do sexo masculino, 𝙖𝙙𝙚𝙡𝙥𝙝𝙤𝙨, pode ser traduzido como "primo" ou "irmão" se nenhuma relação familiar específica for indicada.
Existe alguma declaração clara nas Escrituras que estabelece os irmãos de Jesus como literalmente filhos de Maria? Na verdade, não existe. Em nenhum lugar Maria é explicitamente declarada a mãe dos irmãos de Jesus. A fórmula para falar da família do Senhor é "sua mãe e seus irmãos". Em Marcos, o possessivo, 𝙖𝙣𝙖𝙫𝙩𝙤𝙪 "Dele", é inserido antes de "Sua mãe" e "Seus irmãos", fazendo uma distinção clara. Em Atos 1,14, a separação é mais pronunciada: “Maria, a mãe de Jesus, e seus irmãos”. Alguns manuscritos usam a conjuntiva 𝙨𝙮𝙣 ("junto com, na companhia de"), de modo que o texto diga "Maria, a mãe de Jesus, junto com seus irmãos". Em qualquer caso, Maria nunca é identificada como a mãe dos irmãos de Jesus (nem eles como seus filhos), mas apenas como a Mãe de Jesus.
O significado de "até:"
Outra objeção à ideia da virgindade perpétua de Maria é que as Escrituras usam a palavra "até" ou "até que" em Mateus 1,25: "... e [José] não a conheceu até que ela deu à luz seu Filho primogênito". Enquanto em inglês a palavra "até" indica necessariamente mudança após o fato, nas línguas antigas da Bíblia simplesmente não é o caso. Por exemplo, se lermos Deuteronômio 34, 6, 2 Samuel 6,23, Salmo 72, 7 e 110, 1 (conforme interpretado por Jesus em Mateus 22, 42-46), Mateus 11,23 e 28,20, Romanos 8,22, e 1 Timóteo 4,13, para fazer referência a apenas alguns exemplos, veremos que em nenhuma dessas passagens a palavra "até" indica uma mudança necessária. Se não é sim, então, aparentemente, entre outras coisas, deveríamos entender que Jesus nalgum momento deixará de se sentar à direita do Pai, e que nalguma data infeliz no futuro Ele pretende abandonar a Igreja! O uso de "até" em Mateus 1,25, por conseguinte, é puramente para indicar que Cristo encarnou do Espírito Santo e da Virgem Maria, não concebido por José e Maria, uma vez que eles não se "conheceram até" o Seu nascimento. Neste contexto, "até" é realmente sinônimo de "antes". Se, pelo contrário, quisesse dizer no sentido pleno em inglês contemporâneo, ou seja, se isso realmente significasse que a relação casta de José e Maria mudou após o nascimento, então a estilística apresenta outro grande problema: o leitor teria que acreditar que Mateus estaria realmente convidando à contemplação da atividade sexual posterior do casal. Isso é no mínimo duvidoso.
O significado de "primogênito"
Outra objeção pode ser baseada na palavra "primogênito", 𝙥𝙧𝙤𝙩𝙤𝙩𝙤𝙠𝙤𝙨 em grego. O problema novamente é que a palavra grega não é idêntica em alcance semântico à tradução em inglês. Em inglês "primogênito" geralmente (embora, deve-se dizer, nem sempre) implica a existência de filhos subsequentes, mas com 𝙥𝙧𝙤𝙩𝙤𝙩𝙤𝙠𝙤𝙨 não há tal implicação. Em Hebreus 1, 6, por exemplo, o uso de 𝙥𝙧𝙤𝙩𝙤𝙩𝙤𝙠𝙤𝙨 em referência à Encarnação da Palavra de Deus não pode significar que existe uma "segunda nascida" Palavra de Deus. Em nenhum lugar o termo é usado para expressar apenas a ordem de nascimento; em vez disso, em Romanos 8,29, Colossenses 1,15, 18, Hebreus 11,28 e 12,23 e Apocalipse 1, 5, o título é aplicado a Jesus como o Herdeiro privilegiado e legal do Reino, atestando que Ele é verdadeiramente "primeiro em todas as coisas". Para o ouvido contemporâneo, uma tradução melhor poderia de fato ser "herdeiro", que é igualmente silencioso acerca de outros filhos e carrega a mesma força jurídica e poética que é pretendida por "primogênito".
"Mulher, eis o teu filho"
Além disso, considere a passagem comovente do Evangelho de São João, em que Nosso Senhor entrega sua Mãe aos cuidados de São João quando Ele morre na Cruz. Por que Ele faria isso se ela tivesse outros filhos para cuidar dela? O costume judaico ditava que o cuidado da mãe recairia sobre o segundo filho se o primogênito morresse, e se a viúva não tivesse outro filho, ela seria deixada para cuidar de si mesma. Como ela não teve outros filhos, seu Filho a entrega aos cuidados do discípulo amado. As Mulheres na Cruz e a Identidade dos Irmãos do Senhor. Quem são exatamente os "irmãos do Senhor", senão os companheiros filhos de Maria, sua mãe? (Aqui, sou grato ao artigo do Pe. Lawrence Farley, "As Mulheres na Cruz". [Publicação ref?]). Um estudo detalhado das mulheres na Cruz em Mateus 27,55-56 produz uma resposta plausível. Essas mulheres seriam:
(1) Maria Madalena;
(2) A mãe dos filhos de Zebedeu;
(3) Maria, a Mãe de Tiago e José. Na passagem paralela em Marcos 15,40, 41, as mulheres são:
(1) Maria Madalena;
(2) Salomé;
(3) Maria, a mãe de Tiago Menor e de José.
Em João 19,25, as mulheres são listadas como:
(1) Maria Madalena;
(2) Mãe de Cristo;
(3) Irmã de sua mãe, Maria, esposa de Clopas (Cleofas).
Para nossos propósitos, devemos nos concentrar na mulher que é referida por São Mateus como "Maria, a mãe de Tiago e José", por São Marcos como "Maria, a mãe de Tiago o Menor e de Joses [uma variante de Joseph] , "e por São João na sua lista como "irmã de sua mãe, Maria esposa de Clopas".
Observe que em Mateus os nomes "Tiago e José" foram mencionados antes. De fato, a maneira como Mateus menciona "Maria, mãe de Tiago e José" em 27,55, 56 pressupõe que ele já introduziu estes "Tiago e José" como de fato o fez. Em Mateus 13,55, lemos que os “irmãos” de Nosso Senhor são “Tiago e José e Simão e Judas”. Da mesma forma, no Evangelho de São Marcos, "Tiago e José" são mencionados como se já soubéssemos quem são "Tiago e José", o que realmente sabemos em Marcos 6, 3, onde os "irmãos" de Cristo são listados como "Tiago e José e Judas e Simão".
Parece além da discussão razoável que a Maria na Cruz em São Mateus e São Marcos é a mãe dos "irmãos" de Nosso Senhor, "Tiago e José". Além disso, é inconcebível que Mateus e Marcos se referissem à Mãe do Senhor aos pés da Cruz como a mãe de Tiago e José, mas não mencionassem que ela também é a Mãe de Jesus!
Se for o caso, como as Escrituras sugerem, que Maria, esposa de Clopas, é a mesma que a mãe de Tiago e José, temos a seguinte conclusão: a 𝙏𝙝𝙚𝙤𝙩𝙤𝙠𝙤𝙨 tinha uma "irmã", casada com Clopas, que era mãe de Tiago e José, os "irmãos" de Nosso Senhor. Aqui, a questão deve surgir imediatamente a respeito da relação da 𝙏𝙝𝙚𝙤𝙩𝙤𝙠𝙤𝙨 com essa Maria: que tipo de "irmã" ela é?
Hegisipo, um historiador cristão judeu que, segundo Eusébio, "pertencia à primeira geração depois dos apóstolos" e que entrevistou muitos cristãos dessa comunidade apostólica para a sua história, relata que Clopas era irmão de São José, pai adotivo de Cristo (apud. Eusb. Eccl. H. iv: 22). Se for assim (e Hegisipo é geralmente reconhecido como totalmente confiável), então "Maria, esposa de Clopas" era a "irmã" da Virgem Maria no sentido de que ela era sua cunhada.
O quebra-cabeça, portanto, se encaixa. São José se casou com a Virgem 𝙏𝙝𝙚𝙤𝙩𝙤𝙠𝙤𝙨, que deu à luz Cristo, seu único filho, preservando sua virgindade e não tendo outros filhos. O irmão de São José, Clopas, também se casou com uma mulher chamada Maria, que teve os filhos Tiago e José (junto com Judas e Simão, e também filhas). Essas crianças eram "irmãos" de Nosso Senhor (usando a terminologia de Israel, que, como vimos, não fazia distinção entre irmãos e primos, mas se referia a todos como "irmãos").
São Mateus e São Marcos, focalizando a família de Nosso Senhor (Mateus 13,53ss e Marcos 6, 1ss), naturalmente se referem à esposa de Clopas, Maria, como "a mãe de Tiago e Joses (Joseph)". São João, por outro lado, se concentra na Mãe de Nosso Senhor (cf. João 2, 1ss) e tão naturalmente se refere a esta mesma mulher como "irmã de sua mãe, Maria, esposa de Clopas". Mas é evidente que todos se referem a uma mesma mulher. Essa reconstrução é a melhor que pode ser feita (embora existam outras, todas contêm sérias fraquezas), dadas as evidências bíblicas e históricas.
Por que a virgindade de Maria é importante:
Alguns diriam que, mesmo que possa ser provado, a virgindade de Maria não é essencial para a proclamação do Evangelho, e isso é verdade em certo nível. Em sua essência, a Igreja Ortodoxa proclama o Evangelho de Jesus Cristo. Esta é a nossa mensagem, a nossa razão de ser, a própria vida da nossa vida. O ensino de Maria é realmente dirigido aos iniciados, aqueles que já aceitaram o Evangelho e se comprometeram com Cristo e com o serviço da Sua Igreja.
Isso porque o que Maria nos ensina sobre a Encarnação da Palavra de Deus exige que primeiro aceitemos a Encarnação. Uma vez que o façamos, sua virgindade não apenas após o nascimento, mas também antes e, de fato, o caráter de toda a sua vida se torna em si uma fonte de ensino sobre a vida em Cristo e a glória de Deus. Na verdade, ela mesma disse isso. Ao afirmar que "todas as gerações me chamarão bem-aventurada", Maria não estava contemplando em vão sua própria singularidade, mas proclamando a maravilha de que sua vida manifestaria a gloriosa vitória de Deus em Seu Cristo para sempre.
Maria não era um vaso casual de Deus; antes, seu papel na nossa salvação foi preparado desde o início dos tempos. Toda a história de Israel, os patriarcas, os salmos, os profetas, a entrega dos mandamentos convergiram para a jovem que responderia da maneira que Israel sempre deveria ter respondido, e como todos devemos responder agora: "Eis a serva do Senhor".
Mas seu propósito na história da salvação não terminou aí. Ela não foi posta de lado como um artigo que não é mais útil. Em vez disso, todo o seu ser e vida continuariam a nos apontar sem distração para seu Filho. Nas núpcias de Caná da Galiléia, ouvimos suas palavras: "Fazei tudo o que Ele vos disser" (João 2, 5). Na
crucificação de seu Filho, ela permanece firme ao pé da cruz, desta vez apontando não com palavras, mas por sua recusa em deixar o Sua companhia, mesmo em face do que parecia um pesadelo impossível. Ao nos comprometermos a imitar esta fidelidade no apontar sempre para Deus, começaremos a ver na mesma medida que a virgindade perpétua de Maria é, em suma, o seu ministério perpétuo, o exemplo ideal para o nosso próprio ministério.
É importante recuperar a devida veneração de Maria que a Igreja Apostólica sempre teve, não porque Maria seja a grande exceção, mas, como disse um teólogo ortodoxo, porque ela é o grande exemplo. Essa veneração é belamente expressa num hino ortodoxo que narra poeticamente o primeiro encontro de Gabriel com Maria, que estava prestes a se tornar a Arca da Nova Aliança, o trono de Deus, a carne que deu carne ao Verbo de Deus:
Espantado com a beleza de sua virgindade
e o brilho excessivo de sua pureza,
Gabriel ficou maravilhado e gritou para vós, ó Mãe de Deus:
"𝑸𝒖𝒆 𝒍𝒐𝒖𝒗𝒐𝒓 𝒑𝒐𝒔𝒔𝒐 𝒐𝒇𝒆𝒓𝒆𝒄𝒆𝒓
𝒒𝒖𝒆 𝒔𝒆𝒋𝒂 𝒅𝒊𝒈𝒏𝒐 𝒅𝒆 𝒗𝒐𝒔𝒔𝒂 𝒃𝒆𝒍𝒆𝒛𝒂?
𝑷𝒐𝒓 𝒒𝒖𝒆 𝒏𝒐𝒎𝒆 𝒅𝒆𝒗𝒐 𝒄𝒉𝒂𝒎𝒂𝒓-𝒗𝒐𝒔?
𝑬𝒔𝒕𝒐𝒖 𝒑𝒆𝒓𝒅𝒊𝒅𝒐 𝒆 𝒅𝒆𝒔𝒏𝒐𝒓𝒕𝒆𝒂𝒅𝒐,
𝒎𝒂𝒔 𝒗𝒐𝒖 𝒔𝒂𝒖𝒅𝒂𝒓-𝒗𝒐𝒔 𝒄𝒐𝒎𝒐 𝒎𝒆 𝒇𝒐𝒊 𝒐𝒓𝒅𝒆𝒏𝒂𝒅𝒐:
𝑺𝒂𝒍𝒗𝒆, ó 𝒄𝒉𝒆𝒊𝒂 𝒅𝒆 𝒈𝒓𝒂ç𝒂!"
N.T. - Por ter sido o artigo escrito originalmente em inglês, a semântica dos termos gregos em pauta é confrontada com a do inglês, mas é válido também para o português.
Texto original em Inglês: https://www.goarch.org/-/the-ever-virginity-of-the-mother-of-god
Arquidiocese Ortodoxa Grega da América (𝘎𝘳𝘦𝘦𝘬 𝘖𝘳𝘵𝘩𝘰𝘥𝘰𝘹 𝘈𝘳𝘤𝘩𝘥𝘪𝘰𝘤𝘦𝘴𝘦 𝘰𝘧 𝘈𝘮𝘦𝘳𝘪𝘤𝘢)
Por 𝙋𝙖𝙙𝙧𝙚 𝙅𝙤𝙝𝙣 𝙃𝙖𝙞𝙣𝙨𝙬𝙤𝙧𝙩𝙝
No ano passado, para a Festa da Natividade, dei uma palestra sobre uma das reivindicações centrais da fé cristã: o nascimento virginal de Cristo. Tudo estava bem até que usei de passagem a frase "sempre virgem" com referência à Mãe do Senhor. Alguém perguntou: "Você realmente quer dizer que Maria permaneceu virgem depois do nascimento de Jesus?" Eu disse que sim, isso é o que a Igreja Ortodoxa ensina. A expressão de espanto e surpresa nos rostos do público disse tudo: O milagre do nascimento virginal é uma coisa, mas abstinência vitalícia da sexualidade? Isso é impossível!
A vida de monges e ascetas em todo o mundo e ao longo da história atesta o fato de que isso é possível. A pureza sexual é apenas um dos muitos desafios colocados para estes guerreiros espirituais, e para muitos, talvez a maioria deles, não é o maior. Os ortodoxos não têm dificuldade, então, no considerar a sempre virgindade de Maria um fato inegociável e sua alternativa impensável. Mas por que deveria ser necessariamente assim? Por que insistir na ideia de que Maria (que era casada, afinal) não teve uma vida de casada "normal"?
Uma Tradição Consistente e Ininterrupta:
A questão pode ser invertida. Por que não acreditar na sua virgindade eterna? A Igreja Oriental testemunhou firmemente a virgindade perpétua da 𝙏𝙝𝙚𝙤𝙩𝙤𝙠𝙤𝙨 por dois mil anos e não dá sinais de cansaço. No Ocidente, a ideia era amplamente indiscutível até o final da Reforma; até Lutero e Calvino aceitaram a tradição.
Na verdade, para sugerir (a) que a tradição sobre sua virgindade perpétua poderia ter sido introduzida após os tempos apostólicos, (b) que essa tradição teria sido pouco notada por uma Igreja no estertor de questionar tudo sobre o que acreditava no primeiro milênio, (c) que tal nova tradição deve ser considerada inconsequente o suficiente para passar sem discussão antes de se tornar universalmente proclamada, e (d) que tal tradição não deve ter origem literária ou geográfica discernível e ainda assim ser universalmente aceita desde muito cedo na história da Igreja, deve formar uma hipótese muito improvável.
Separada para Deus:
Argumentar contra a virgindade perpétua de Maria é sugerir outra coisa que é muito implausível, para não dizer impensável: que nem Maria nem seu protetor, José, teriam considerado impróprio ter relações sexuais após o nascimento de Deus na carne. Deixando de lado por um momento a total singularidade da Encarnação da Segunda Pessoa da Trindade, lembre-se de que era prática dos judeus devotos, no mundo antigo, absterem-se de atividades sexuais após qualquer grande manifestação do Espírito Santo.
Uma tradição rabínica popular do início do primeiro século (registrada pela primeira vez por Filo, 20 a. C. -- 50 d.C.) observa que Moisés "separou-se" de sua esposa Zíporah quando voltou de seu encontro com Deus na sarça ardente. Outra tradição rabínica, relativa à escolha dos anciãos de Israel em Números 7, relata que depois que Deus operou entre eles, um homem exclamou: "Ai das esposas desses homens!" Não consigo imaginar que o sujeito à esquerda dele respondesse: "O que você quer dizer, Joe?" O significado da declaração teria ficado imediatamente patente.
Quer essas histórias relatem eventos reais ou não, elas expressam a piedade popular em Israel na época do nascimento de Cristo. Tal cultura entendia a virgindade e a abstinência não como uma mera rejeição de algo agradável - com qual fim? - mas como algo naturalmente assumido por alguém cuja vida foi consagrada pelo Espírito do Senhor para ser um vaso de salvação para o Seu povo. Os séculos intermediários de condicionamento social, religioso e filosófico nos fizeram suspeitar da virgindade e da castidade de uma forma que ninguém no tempo do Senhor teria suspeitado.
Maria tornou-se o vaso para o próprio Senhor da Glória, e deu à luz na carne Aquele que o céu e a terra não podem conter. Isso não seria motivo para considerar sua vida -- incluindo seu corpo -- como consagrada a Deus e somente a Deus? Ou seria mais plausível que ela ignorasse tudo e continuasse a cuidar da casa da maneira usual? Considere que o incidente poeticamente paralelo da entrada do Senhor pelo portão leste do Templo (em Ezequiel 43-44) leva ao chamado: "Este portão será fechado; não será aberto, e ninguém entrará por ele, pois o Senhor Deus de Israel entrou por tal; portanto, será fechado" (44, 2).
E então há o caráter de José a considerar-se. Certamente a concepção milagrosa de sua esposa e o nascimento de seu filho (confirmados pelo anjo em visões oníricas) e a visão de Deus Encarnado na face do menino Cristo teriam sido suficientes para convencê-lo de que seu casamento estava separado da norma comum. Dentro do próprio corpo de Maria residia a Segunda Pessoa da Trindade. Se tocar a arca da aliança custou a Uzá sua vida, e se até mesmo os rolos contendo a Lei, os Salmos e os Profetas foram venerados, certamente José, homem de Deus que foi, não teria ousado nem desejado se aproximar de Maria, a escolhida de Israel, o trono de Deus, para reivindicar seus "direitos conjugais"!
Os "irmãos" do Senhor:
Existem várias questões baseadas nas Escrituras que são frequentemente levantadas por aqueles céticos sobre a doutrina da sempre virgindade de Maria. A primeira delas envolve as passagens que afirmam explicitamente que o Senhor tinha "irmãos". Existem nove dessas passagens: Mateus 12, 46-47 e 13, 55-56; Marcos 3, 31-32 e 6, 3; Lucas 8,19-20; João 2,12 e 7, 3-5; Atos 1,14; e 1 Coríntios 9, 5. A palavra grega usada em todas essas passagens e geralmente traduzida como "irmão" é 𝙖𝙙𝙚𝙡𝙥𝙝𝙤𝙨.
A Septuaginta, a antiga tradução grega das Escrituras Hebraicas usada pelos apóstolos (abreviada com LXX), inclui palavras específicas para "primo", notadamente 𝙖𝙙𝙚𝙡𝙥𝙝𝙞𝙣𝙤𝙨 e 𝙖𝙣𝙚𝙥𝙨𝙞𝙤𝙨, mas raramente são usadas. A palavra menos específica 𝙖𝙙𝙚𝙡𝙥𝙝𝙤𝙨, que pode significar "irmão", "primo", "parente", "companheiro na fé" ou "conterrâneo", é usada consistentemente em toda a LXX, mesmo quando primo ou parente é claramente a relação descrita (como em Gênesis 14,14, 16; 29,12; Levítico 25,49; Jeremias 32, 8, 9, 12; Tobias 7,2; etc.). Ló, por exemplo, que era sobrinho de Abraão (cf. Gênesis 11, 27-31), é chamado de seu irmão em Gênesis 13, 8 e 11, 14-16. A questão é que a palavra grega comumente usada para um parente do sexo masculino, 𝙖𝙙𝙚𝙡𝙥𝙝𝙤𝙨, pode ser traduzido como "primo" ou "irmão" se nenhuma relação familiar específica for indicada.
Existe alguma declaração clara nas Escrituras que estabelece os irmãos de Jesus como literalmente filhos de Maria? Na verdade, não existe. Em nenhum lugar Maria é explicitamente declarada a mãe dos irmãos de Jesus. A fórmula para falar da família do Senhor é "sua mãe e seus irmãos". Em Marcos, o possessivo, 𝙖𝙣𝙖𝙫𝙩𝙤𝙪 "Dele", é inserido antes de "Sua mãe" e "Seus irmãos", fazendo uma distinção clara. Em Atos 1,14, a separação é mais pronunciada: “Maria, a mãe de Jesus, e seus irmãos”. Alguns manuscritos usam a conjuntiva 𝙨𝙮𝙣 ("junto com, na companhia de"), de modo que o texto diga "Maria, a mãe de Jesus, junto com seus irmãos". Em qualquer caso, Maria nunca é identificada como a mãe dos irmãos de Jesus (nem eles como seus filhos), mas apenas como a Mãe de Jesus.
O significado de "até:"
Outra objeção à ideia da virgindade perpétua de Maria é que as Escrituras usam a palavra "até" ou "até que" em Mateus 1,25: "... e [José] não a conheceu até que ela deu à luz seu Filho primogênito". Enquanto em inglês a palavra "até" indica necessariamente mudança após o fato, nas línguas antigas da Bíblia simplesmente não é o caso. Por exemplo, se lermos Deuteronômio 34, 6, 2 Samuel 6,23, Salmo 72, 7 e 110, 1 (conforme interpretado por Jesus em Mateus 22, 42-46), Mateus 11,23 e 28,20, Romanos 8,22, e 1 Timóteo 4,13, para fazer referência a apenas alguns exemplos, veremos que em nenhuma dessas passagens a palavra "até" indica uma mudança necessária. Se não é sim, então, aparentemente, entre outras coisas, deveríamos entender que Jesus nalgum momento deixará de se sentar à direita do Pai, e que nalguma data infeliz no futuro Ele pretende abandonar a Igreja! O uso de "até" em Mateus 1,25, por conseguinte, é puramente para indicar que Cristo encarnou do Espírito Santo e da Virgem Maria, não concebido por José e Maria, uma vez que eles não se "conheceram até" o Seu nascimento. Neste contexto, "até" é realmente sinônimo de "antes". Se, pelo contrário, quisesse dizer no sentido pleno em inglês contemporâneo, ou seja, se isso realmente significasse que a relação casta de José e Maria mudou após o nascimento, então a estilística apresenta outro grande problema: o leitor teria que acreditar que Mateus estaria realmente convidando à contemplação da atividade sexual posterior do casal. Isso é no mínimo duvidoso.
O significado de "primogênito"
Outra objeção pode ser baseada na palavra "primogênito", 𝙥𝙧𝙤𝙩𝙤𝙩𝙤𝙠𝙤𝙨 em grego. O problema novamente é que a palavra grega não é idêntica em alcance semântico à tradução em inglês. Em inglês "primogênito" geralmente (embora, deve-se dizer, nem sempre) implica a existência de filhos subsequentes, mas com 𝙥𝙧𝙤𝙩𝙤𝙩𝙤𝙠𝙤𝙨 não há tal implicação. Em Hebreus 1, 6, por exemplo, o uso de 𝙥𝙧𝙤𝙩𝙤𝙩𝙤𝙠𝙤𝙨 em referência à Encarnação da Palavra de Deus não pode significar que existe uma "segunda nascida" Palavra de Deus. Em nenhum lugar o termo é usado para expressar apenas a ordem de nascimento; em vez disso, em Romanos 8,29, Colossenses 1,15, 18, Hebreus 11,28 e 12,23 e Apocalipse 1, 5, o título é aplicado a Jesus como o Herdeiro privilegiado e legal do Reino, atestando que Ele é verdadeiramente "primeiro em todas as coisas". Para o ouvido contemporâneo, uma tradução melhor poderia de fato ser "herdeiro", que é igualmente silencioso acerca de outros filhos e carrega a mesma força jurídica e poética que é pretendida por "primogênito".
"Mulher, eis o teu filho"
Além disso, considere a passagem comovente do Evangelho de São João, em que Nosso Senhor entrega sua Mãe aos cuidados de São João quando Ele morre na Cruz. Por que Ele faria isso se ela tivesse outros filhos para cuidar dela? O costume judaico ditava que o cuidado da mãe recairia sobre o segundo filho se o primogênito morresse, e se a viúva não tivesse outro filho, ela seria deixada para cuidar de si mesma. Como ela não teve outros filhos, seu Filho a entrega aos cuidados do discípulo amado. As Mulheres na Cruz e a Identidade dos Irmãos do Senhor. Quem são exatamente os "irmãos do Senhor", senão os companheiros filhos de Maria, sua mãe? (Aqui, sou grato ao artigo do Pe. Lawrence Farley, "As Mulheres na Cruz". [Publicação ref?]). Um estudo detalhado das mulheres na Cruz em Mateus 27,55-56 produz uma resposta plausível. Essas mulheres seriam:
(1) Maria Madalena;
(2) A mãe dos filhos de Zebedeu;
(3) Maria, a Mãe de Tiago e José. Na passagem paralela em Marcos 15,40, 41, as mulheres são:
(1) Maria Madalena;
(2) Salomé;
(3) Maria, a mãe de Tiago Menor e de José.
Em João 19,25, as mulheres são listadas como:
(1) Maria Madalena;
(2) Mãe de Cristo;
(3) Irmã de sua mãe, Maria, esposa de Clopas (Cleofas).
Para nossos propósitos, devemos nos concentrar na mulher que é referida por São Mateus como "Maria, a mãe de Tiago e José", por São Marcos como "Maria, a mãe de Tiago o Menor e de Joses [uma variante de Joseph] , "e por São João na sua lista como "irmã de sua mãe, Maria esposa de Clopas".
Observe que em Mateus os nomes "Tiago e José" foram mencionados antes. De fato, a maneira como Mateus menciona "Maria, mãe de Tiago e José" em 27,55, 56 pressupõe que ele já introduziu estes "Tiago e José" como de fato o fez. Em Mateus 13,55, lemos que os “irmãos” de Nosso Senhor são “Tiago e José e Simão e Judas”. Da mesma forma, no Evangelho de São Marcos, "Tiago e José" são mencionados como se já soubéssemos quem são "Tiago e José", o que realmente sabemos em Marcos 6, 3, onde os "irmãos" de Cristo são listados como "Tiago e José e Judas e Simão".
Parece além da discussão razoável que a Maria na Cruz em São Mateus e São Marcos é a mãe dos "irmãos" de Nosso Senhor, "Tiago e José". Além disso, é inconcebível que Mateus e Marcos se referissem à Mãe do Senhor aos pés da Cruz como a mãe de Tiago e José, mas não mencionassem que ela também é a Mãe de Jesus!
Se for o caso, como as Escrituras sugerem, que Maria, esposa de Clopas, é a mesma que a mãe de Tiago e José, temos a seguinte conclusão: a 𝙏𝙝𝙚𝙤𝙩𝙤𝙠𝙤𝙨 tinha uma "irmã", casada com Clopas, que era mãe de Tiago e José, os "irmãos" de Nosso Senhor. Aqui, a questão deve surgir imediatamente a respeito da relação da 𝙏𝙝𝙚𝙤𝙩𝙤𝙠𝙤𝙨 com essa Maria: que tipo de "irmã" ela é?
Hegisipo, um historiador cristão judeu que, segundo Eusébio, "pertencia à primeira geração depois dos apóstolos" e que entrevistou muitos cristãos dessa comunidade apostólica para a sua história, relata que Clopas era irmão de São José, pai adotivo de Cristo (apud. Eusb. Eccl. H. iv: 22). Se for assim (e Hegisipo é geralmente reconhecido como totalmente confiável), então "Maria, esposa de Clopas" era a "irmã" da Virgem Maria no sentido de que ela era sua cunhada.
O quebra-cabeça, portanto, se encaixa. São José se casou com a Virgem 𝙏𝙝𝙚𝙤𝙩𝙤𝙠𝙤𝙨, que deu à luz Cristo, seu único filho, preservando sua virgindade e não tendo outros filhos. O irmão de São José, Clopas, também se casou com uma mulher chamada Maria, que teve os filhos Tiago e José (junto com Judas e Simão, e também filhas). Essas crianças eram "irmãos" de Nosso Senhor (usando a terminologia de Israel, que, como vimos, não fazia distinção entre irmãos e primos, mas se referia a todos como "irmãos").
São Mateus e São Marcos, focalizando a família de Nosso Senhor (Mateus 13,53ss e Marcos 6, 1ss), naturalmente se referem à esposa de Clopas, Maria, como "a mãe de Tiago e Joses (Joseph)". São João, por outro lado, se concentra na Mãe de Nosso Senhor (cf. João 2, 1ss) e tão naturalmente se refere a esta mesma mulher como "irmã de sua mãe, Maria, esposa de Clopas". Mas é evidente que todos se referem a uma mesma mulher. Essa reconstrução é a melhor que pode ser feita (embora existam outras, todas contêm sérias fraquezas), dadas as evidências bíblicas e históricas.
Por que a virgindade de Maria é importante:
Alguns diriam que, mesmo que possa ser provado, a virgindade de Maria não é essencial para a proclamação do Evangelho, e isso é verdade em certo nível. Em sua essência, a Igreja Ortodoxa proclama o Evangelho de Jesus Cristo. Esta é a nossa mensagem, a nossa razão de ser, a própria vida da nossa vida. O ensino de Maria é realmente dirigido aos iniciados, aqueles que já aceitaram o Evangelho e se comprometeram com Cristo e com o serviço da Sua Igreja.
Isso porque o que Maria nos ensina sobre a Encarnação da Palavra de Deus exige que primeiro aceitemos a Encarnação. Uma vez que o façamos, sua virgindade não apenas após o nascimento, mas também antes e, de fato, o caráter de toda a sua vida se torna em si uma fonte de ensino sobre a vida em Cristo e a glória de Deus. Na verdade, ela mesma disse isso. Ao afirmar que "todas as gerações me chamarão bem-aventurada", Maria não estava contemplando em vão sua própria singularidade, mas proclamando a maravilha de que sua vida manifestaria a gloriosa vitória de Deus em Seu Cristo para sempre.
Maria não era um vaso casual de Deus; antes, seu papel na nossa salvação foi preparado desde o início dos tempos. Toda a história de Israel, os patriarcas, os salmos, os profetas, a entrega dos mandamentos convergiram para a jovem que responderia da maneira que Israel sempre deveria ter respondido, e como todos devemos responder agora: "Eis a serva do Senhor".
Mas seu propósito na história da salvação não terminou aí. Ela não foi posta de lado como um artigo que não é mais útil. Em vez disso, todo o seu ser e vida continuariam a nos apontar sem distração para seu Filho. Nas núpcias de Caná da Galiléia, ouvimos suas palavras: "Fazei tudo o que Ele vos disser" (João 2, 5). Na
crucificação de seu Filho, ela permanece firme ao pé da cruz, desta vez apontando não com palavras, mas por sua recusa em deixar o Sua companhia, mesmo em face do que parecia um pesadelo impossível. Ao nos comprometermos a imitar esta fidelidade no apontar sempre para Deus, começaremos a ver na mesma medida que a virgindade perpétua de Maria é, em suma, o seu ministério perpétuo, o exemplo ideal para o nosso próprio ministério.
É importante recuperar a devida veneração de Maria que a Igreja Apostólica sempre teve, não porque Maria seja a grande exceção, mas, como disse um teólogo ortodoxo, porque ela é o grande exemplo. Essa veneração é belamente expressa num hino ortodoxo que narra poeticamente o primeiro encontro de Gabriel com Maria, que estava prestes a se tornar a Arca da Nova Aliança, o trono de Deus, a carne que deu carne ao Verbo de Deus:
Espantado com a beleza de sua virgindade
e o brilho excessivo de sua pureza,
Gabriel ficou maravilhado e gritou para vós, ó Mãe de Deus:
"𝑸𝒖𝒆 𝒍𝒐𝒖𝒗𝒐𝒓 𝒑𝒐𝒔𝒔𝒐 𝒐𝒇𝒆𝒓𝒆𝒄𝒆𝒓
𝒒𝒖𝒆 𝒔𝒆𝒋𝒂 𝒅𝒊𝒈𝒏𝒐 𝒅𝒆 𝒗𝒐𝒔𝒔𝒂 𝒃𝒆𝒍𝒆𝒛𝒂?
𝑷𝒐𝒓 𝒒𝒖𝒆 𝒏𝒐𝒎𝒆 𝒅𝒆𝒗𝒐 𝒄𝒉𝒂𝒎𝒂𝒓-𝒗𝒐𝒔?
𝑬𝒔𝒕𝒐𝒖 𝒑𝒆𝒓𝒅𝒊𝒅𝒐 𝒆 𝒅𝒆𝒔𝒏𝒐𝒓𝒕𝒆𝒂𝒅𝒐,
𝒎𝒂𝒔 𝒗𝒐𝒖 𝒔𝒂𝒖𝒅𝒂𝒓-𝒗𝒐𝒔 𝒄𝒐𝒎𝒐 𝒎𝒆 𝒇𝒐𝒊 𝒐𝒓𝒅𝒆𝒏𝒂𝒅𝒐:
𝑺𝒂𝒍𝒗𝒆, ó 𝒄𝒉𝒆𝒊𝒂 𝒅𝒆 𝒈𝒓𝒂ç𝒂!"
N.T. - Por ter sido o artigo escrito originalmente em inglês, a semântica dos termos gregos em pauta é confrontada com a do inglês, mas é válido também para o português.
Texto original em Inglês: https://www.goarch.org/-/the-ever-virginity-of-the-mother-of-god
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