FORMAÇÃO ESPIRITUA.: "A EUCARISTIA É CANIBALISMO?!"

A EUCARISTIA É CANIBALISMO
De vez em quando, alguém encontra a objeção de que a Eucaristia não pode ser a verdadeira carne e sangue de Jesus Cristo porque comê-la constituiria canibalismo. Este é um argumento interessante, e se a pessoa com quem se está falando realmente acusa os católicos de praticarem canibalismo, então isso demonstra que ela pelo menos entende a seriedade com a qual dizemos que Jesus está verdadeiramente presente no Santíssimo Sacramento, mesmo que ela erre os detalhes; pelo menos ela entende que levamos a frase "Corpo e Sangue de Cristo" a sério.

Então, o que respondemos quando alguém ataca a Sagrada Eucaristia alegando que comer a carne e beber o sangue de Jesus seria canibalismo?

Comecemos com o Antigo Testamento. Levítico 17,14 parece proibir categoricamente o consumo de carne com sangue ou o consumo de sangue de qualquer criatura:

"Porque a vida do corpo está no seu sangue, no seu espírito vital, por isso, Eu disse aos filhos de Israel: Não comereis o sangue de nenhuma criatura, porque a sua vida é o seu sangue; quem o comer, será eliminado".

(anima enim omnis carnis in sanguine est unde dixi filiis Israhel sanguinem universae carnis non comedetis quia anima carnis in sanguine est et quicumque comederit illum interibit)

N.d.T.: Aqui vemos uma passagem bíblica que, se interpretada com fundamentalismo religioso, suscita comportamentos sectários. É exatamente o caso das "Testemunhas de Jeová" as quais levam ao pé da letra esta antiga e caducada prescrição cerimonial-dietética da Antiga Lei como se ainda vigorasse na Nova Aliança.

Se este mandamento se aplica (assim segue o argumento), a Eucaristia não pode ser verdadeiramente o Corpo e o Sangue de Nosso Senhor, pois consumi-la seria contra o que Deus ordenou em Levítico, e assim Deus é levado a contradizer-Se.

Há duas explicações para este dilema, uma satisfatória e outra um tanto suficiente. Analisaremos primeiro a menos satisfatória das duas defesas a esta acusação.

• Explicação 1: “o Acusado é Suposto Culpado”

Esta defesa é originalmente do Dr. Scott Hahn. De acordo com o Dr. Hahn, a resposta à acusação de canibalismo -- "o acusado ser supostamente culpado" --, admite que comer carne e sangue é canibalismo, afirma que comemos o Corpo e Sangue de Nosso Senhor e, portanto, conclui que a Eucaristia é verdadeiramente canibalismo. O que mais poderia ser se a Eucaristia é verdadeiramente o Corpo e Sangue de Nosso Senhor? Canibalismo significa comer carne humana e beber sangue humano, o que a Eucaristia é: o consumo da carne e do sangue de um Humano-Divino. Então, de acordo com este argumento, é um tipo de canibalismo.

N.d.T.: Hahn introduz a ideia duma espécie de canibalismo relativo, não no sentido absoluto e próprio do termo, senão numa perspectiva analógica, ou melhor, alegórica, conforme ele argumenta logo em seguida.

E quanto ao fato de que Levítico diz especificamente que quem fizer isso será "cortado" [eliminado] da aliança de Deus? Se for canibalismo, então não somos também "cortados"?

O Dr. Hahn diz que ao participar da carne e do sangue de Cristo, de fato, queremos "cortar" a nós mesmos da Antiga Aliança. Ao aceitar a carne e o sangue do Deus-Homem, renunciamos implicitamente à adesão à Antiga Aliança, que proibia o canibalismo. Cristo tomou sobre Si a maldição da Antiga Aliança, e nós também devemos aceitar esse "corte" da Antiga Aliança para sermos verdadeiramente aceitos na Nova. Portanto, tomamos sobre nós a reprovação da Antiga Aliança que era reservada àqueles que comiam e bebiam sangue fazendo exatamente a coisa que Deus proibia sob a Antiga Lei. Isso realizamos quando participamos do sacrifício de Nosso Senhor ao receber Seu verdadeiro Corpo e Sangue na Eucaristia. Este ato definitivamente nos "corta" da Antiga Aliança e nos incorpora à Nova.

Esta explicação é útil, mas é uma nova maneira de entender a questão. [N.d.T.: É plausível enquanto hipótese ou reflexão teológica, campo no qual os teólogos são livres para opinar ou especular. Outrossim, pode muito bem prestar-se como complemento à explicação seguinte].

• Explicação 2: A Forma da Carne

Isso nos leva à nossa segunda defesa, que começa com a definição do que o canibalismo envolve.

De acordo com nossa segunda defesa, canibalismo é definido como comer a carne da própria espécie sob a forma de carne. O que se quer dizer com "sob a forma de carne"? Suponha que comamos a carne de um homem — parte de sua perna ou braço — então estou cometendo canibalismo em sentido estrito: estamos comendo carne humana sob a forma de carne mesmo. É nisso que geralmente pensamos quando falamos de canibalismo.

Mas agora vamos propor outro cenário: digamos que um tubarão come partes corporais (carne) de um homem. O infeliz sujeito é digerido e se torna parte dos tecidos do tubarão. Então, uma semana depois, alguns pescadores pegam o tubarão, matam-no e o transformam em bifes de tubarão. Então os pescadores comem o tubarão. Eles estão cometendo canibalismo? Afinal, eles comeram o tubarão que comeu o homem, implicitamente comendo a "carne" homem que foi comida pelo tubarão e "incorporada" em seu tecido. Isso é canibalismo?

Não é considerado canibalismo. Mas por que não? Não estamos consumindo carne humana quando comemos o tubarão que comeu o homem? Sim, mas não sob a forma de carne humana propriamente dita. A carne do homem foi quebrada (reduzida a nutrientes) e não mais está sob a forma original de carne. Portanto, embora de certa forma possa ser dito que estamos comendo carne humana quando comemos o tubarão, certamente não estamos cometendo canibalismo. Estamos comendo carne humana de certa forma, mas não mais é sob a forma de carne. Só muito remotamente se come, neste caso, a carne humana.

Da mesma forma, na Eucaristia, comemos a carne e o sangue de Jesus Cristo sob as formas de pão e vinho. Nenhuma carne é consumida na forma mesmo de carne (ou seja, a verdadeira carne e sangue são comidos, mas não num sentido físico-biológico, propriamente carnal). Portanto, carne e sangue são verdadeiramente consumidos, mas não há canibalismo, pois aqui nos faltam os acidentes visíveis de carne humana: textura muscular, cor vermelha, sabor cru e sanguíneo, odor próprio etc, de tecidos biológicos).

Pode-se objetar que o argumento da carne "sob a forma de carne" só se aplica quando uma terceira parte está presente para negar o ato de canibalismo: o tubarão come a carne humana, e então alguém come o tubarão. No entanto, na Eucaristia, o pão e o vinho se tornam carne e sangue, os participantes os comem diretamente (sem a intermediação de uma terceira parte, um "tubarão" que nos remove graus no ato de canibalismo).

Mas na Eucaristia, há uma "terceira parte", por assim dizer: as propriedades acidentais do pão e do vinho, que permanecem para que a carne não seja consumida sob a forma de carne, mas sob os sinais sacramentais do pão e do vinho. O Corpo e o Sangue de Cristo estão verdadeiramente presentes, mas Deus permite que as propriedades acidentais do pão e do vinho permaneçam. A presença dessas propriedades acidentais é o que nos permite dizer que a Eucaristia é o Corpo e o Sangue de Nosso Senhor "sob as formas de pão e vinho" e não "sob a forma de carne". Portanto, não negamos que a carne seja imediata e diretamente consumida, mas negamos que seja carne "sob a forma de carne"; nós a consumimos sob os sinais sacramentais do pão e do vinho, cujas propriedades acidentais permanecem.

N.d.T.: Aqui reinam soberanamente a Sabedoria e Providência divinas! Por quê? Ora, se na Eucaristia -- na Transubstanciação --, apresentassem-se-nos visivelmente os aspectos biológicos de carne viva e sangue fresco, a partir do pão e do vinho transmutados, duas situações insuportáveis impor-se-iam: 1) a natural repugnância do fiéis de consumirem carne e sangue humanos e numa aparência viva, ainda que de Nosso Deus feito Homem; 2) a legítima e propícia ocasião para os incrédulos acusarem os seguidores de Cristo de serem praticantes manifestos de canibalismo, mas como explanamos acima, o fato não se dá por óbvio impedimento.

Portanto, o argumento de que a Eucaristia é canibalismo não tem peso. Pois quem consome as duas espécies (pão e vinho), come invisível e substancialmente, e de fato, a carne e o sangue de Cristo; mas, visivel e nos aspectos acidentais, ingere apenas o produto do trigo e da videira.

Texto adaptado de Phillip Campbell, “A Eucaristia é canibalismo?” Unam Sanctam Catholicam , 21 de julho de 2012. Disponível online em https://unamsanctamcatholicam.com/2022/10/is-the-eucharist-cannibalism

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