CRESCE NO BRASIL AS VOCAÇÕES DAS VIRGENS CONSAGRADAS
Virgens Consagradas Buscam Viver no Mundo, Mas Com a Vida Toda Entregue a Deus
Mariana Guaita prostrada durante a ladainha em sua consagração
17 de set de 2025 às 15:36
“Eu queria estar no mundo, mas com esse olhar realmente voltado para Deus, ter uma entrega de vida total a Deus”, disse à ACI Digital a analista de marketing Mariana Fritegoto Guaita, 36 anos, que se consagrou na ordem das virgens, ou Ordo Virginum, em 15 de agosto. Ela se tornou a primeira virgem consagrada na arquidiocese de Florianópolis (SC). Para ela, há um crescimento dessa forma de vida e um interesse sobre essa vocação no Brasil, inclusive entre as jovens.
“O que vejo quando converso com outras mulheres, principalmente as jovens, é o mesmo discurso de quando eu conheci a ordem, é essa questão de poder estar no mundo, de ter uma vida paroquial, porque geralmente elas já são engajadas na paróquia, mas ao mesmo tempo poder doar a vida toda e ser realmente, de se ver realmente como esposa de Cristo”, disse.
As virgens consagradas remontam ao início do cristianismo, a exemplo de santas como Luzia, Inês, Águeda, Filomena. Com o tempo e o estabelecimento de ordens religiosas de mulheres, a ordem das virgens foi perdendo importância.
A retomada veio depois do Concílio Vaticano II. A constituição conciliar Sacrosanctum concilium diz sobre o rito da consagração das virgens, no número 80: “Reveja-se o rito da consagração das Virgens, que vem no Pontifical romano. Componha-se também um rito de profissão religiosa e de renovação de votos, a utilizar, salvo direito particular, por aqueles que fazem a profissão ou renovam os votos dentro da Missa, o qual contribua para maior unidade, sobriedade e dignidade. Será louvável fazer a profissão religiosa dentro da Missa”.
Em 1970, o papa Paulo VI promulgou o novo Rito de Consagração das Virgens.
O Código de Direito Canônico diz no cânon 604 que as virgens, “emitindo o santo propósito de seguir mais de perto a Cristo, são consagradas a Deus pelo Bispo diocesano segundo o rito litúrgico aprovado, se desposam misticamente com Cristo Filho de Deus e se dedicam ao serviço da Igreja”.
A ordem das virgens no Brasil
Pouco tempo depois da promulgação do novo rito de consagração das virgens, já começaram as primeiras consagrações no Brasil, “que foi o primeiro país na América Latina”, disse a virgem consagrada da arquidiocese de Belém (PA) Maria Augusta Barbosa, 62 anos, representante da ordem das virgens na Comissão Episcopal para os Ministérios Ordenados e a Vida Consagrada (CMOVIC) da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Segundo o site da CMOVIC, as primeiras consagrações no Brasil aconteceram em 1971, 1972 e 1973. A primeira consagrada de que se tem registro foi Ivone Leite de Faria (1924-2007), que fez sua consagração na arquidiocese de Aracaju (SE), por dom Clemente Isnard. A terceira consagrada é Maria Angela Borsoi, que atualmente está com 86 anos. Ela foi secretária do arcebispo de São Paulo (SP), cardeal Paulo Evaristo Arns, que lhe apresentou essa forma de vida consagrada.
Maria Angela Borsoi contou à ACI Digital que desde os 17 anos, sabia que sua vocação “não era a de constituir família” e, “com anuência e incentivo do sacerdote” com quem se confessava, consagrou-se particularmente. Aos 21 anos, conheceu o grupo de mulheres da Ação Católica, “que viviam em seus ambientes como leigas consagradas”, do qual passou a fazer parte.
A Ação Católica começou no final do século XIX na Europa com o objetivo de se contrapor ao fascismo e ao comunismo, ambos anticlericais, e dar vazão à participação política dos católicos.
Em 1967, Maria Angela conheceu dom Paulo Evaristo Arns, franciscano de Santa Catarina, então bispo auxiliar em São Paulo (SP), e que se tornaria um dos grandes defensores da Teologia da Libertação, de caráter marxista, dentro da hierarquia católica brasileira.
“Ocorre que a renovação e as reformas conciliares que recaindo sobre inúmeras famílias religiosas causaram, como sabemos, desistências de muitos membros, atingiram também nosso grupo, motivo pelo qual grande número de participantes, dentre as quais eu mesma, tomamos conjuntamente a decisão de sair”, recordou. “Nossa sensação continuava sendo de ‘orfandade’ quando, sem alarde nenhum e sem nada dos meios de comunicação que hoje conhecemos, começou a circular, discreta e lentamente aqui no Brasil, o decreto/1970 da Sagrada Congregação para o Culto Divino, através do qual era restabelecida a possibilidade de as leigas de vida secular receberem a antiga consagração das virgens”, disse.
Borsoi contou que, embora o decreto tivesse entrado em vigor em 1971, dom Paulo Evaristo Arns “só ficou sabendo da novidade ao receber pelo correio a revista SEDOC da Vozes em abril de 1972”. “Chamou-me e leu para mim a novidade, causando-me a maior emoção e alegria, pois vinha de encontro ao que já por um ano eu procurava. Como ele já conhecia minha situação e expectativa, foi só marcar a data da consagração: 31 de maio de 1972”, contou. Dom Paulo celebrou outras consagrações em São Paulo.
Para Maria Angela Borsoi, o motivo para a restauração da ordem das virgens pelo Concílio Vaticano II “foi simplesmente um dos muitos resultados da profunda e ampla renovação na Igreja”. O “protagonismo do laicato” teria sido um dos motivos que levaram dom Paulo Evaristo Arns a incentivar as virgens consagradas. Dom Paulo foi eleito bispo auxiliar de São Paulo em 1966. O Concílio Vaticano II havia terminado no ano anterior. Segundo Maria Angela, antes, como frade franciscano, dom Paulo atuou no Instituto Teológico Francisco e na Editora Vozes, em Petrópolis (RJ), como “redator de revistas” e “traduziu diversos documentos conciliares” para o português. “Dom Paulo se mostrava fortemente entusiasmado com toda a atmosfera vivida na Igreja, mas particularmente pela eclesiologia da Lumen gentium e a abertura ao protagonismo do laicato a partir do tríplice múnus infundido no batismo, ou seja, as funções sacerdotal, profética e régia de cada cristão”.
“Para mim, até hoje, foi o entusiasmo dele, a paixão pela vida consagrada em geral, e seu carisma em atrair leigos e leigas para a missão evangelizadora que explicam, com clareza cristalina, sua convicção e seu empenho incomuns ao trazer sem perda de tempo a novidade dessa consagração secular feminina para sua arquidiocese”, disse.
Borsoi citou uma palestra de dom Paulo, de 1980, em que ele falou sobre como poucos bispos tinham conhecimento sobre as virgens consagradas. “Os bispos que mais se interessam por participação do povo começam a se interessar mesmo”, disse o arcebispo, acrescentando que “nosso estilo de consagração é uma estrutura eclesial e não um movimento”. “Precisamos aprofundar o estudo sobre o que é a Igreja, esta Igreja que não está preparada para receber as novas estruturas, a fim de que a mesma possa receber a estrutura nova que é a mulher consagrada”, disse.
Na mesma palestra, proferida em um retiro de virgens consagradas, dom Paulo disse: “Então, pertence a cada uma, segundo a sua região, o empenho em incentivar os bispos que lá trabalham para que não só tomem conhecimento, mas que se envolvam nisso, que é algo que brota não só da realidade, mas também de um desejo profunda da própria Igreja universal”.
Maria Angela Borsoi recordou ainda uma iniciativa que tomaram em 1982, quando, “com devido apoio e aprovação de dom Paulo”, enviaram uma “carta circular” para as dioceses do Brasil “apresentando a nova forma de vida consagrada e a experiência que prosperava na arquidiocese de São Paulo”, perguntando se a diocese “havia alguma consagrada ou candidatada” e oferecendo “material produzido” sobre essa vocação. “Apesar do otimismo de nossa expectativa, o retorno de respostas foi praticamente nulo”, contou.
Apesar das dificuldades nas primeiras décadas dessa forma de consagração no Brasil, Maria Angela disse que observa um crescimento da ordem das virgens no país nos últimos anos, “sobretudo de 2015 para cá”. “O avanço da tecnologia digital a meu ver tem ajudado bastante a tornar essa vocação conhecida”, disse, acrescentando que o interesse das mulheres por essa consagração, como vê em sua própria experiência, é por “ter recebido o chamado à consagração, mas ao mesmo tempo não aceitar enquadrar-se nos formatos e estruturas conventuais conhecidos”.
Mariana Guaita, de Florianópolis, viveu essa experiência. Ela teve sua “primeira experiência com Deus” em um grupo de oração da Renovação Carismática Católica, por volta dos “13, 14 anos” e, “aos 16 anos, já sabia que Deus” a “chamava para algo”. Conheceu algumas novas comunidades, movimentos, congregações, mas não se encontrava nelas. “Eu sempre fui muito envolvida na paróquia”, disse, e mesmo quando ia a outros locais, “ficava muito inquieta”, pensado que era na paróquia onde participava, “recebia todos os sacramentos”.
Mas, foi só em 2019 que Mariana conheceu a ordem das virgens, através de um vídeo enviado por um amigo. “Quando assisti aquele vídeo, tive certeza de que era isso”.
Um ano antes, em 2018, a Congregação (hoje, dicastério) para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica da Santa Sé publicou a instrução Ecclesiae Sponsae Imago sobre o Ordo Virginum. Mariana adquiriu este documento e, ao lê-lo, pensou que “aquilo era muito” e não seria uma vocação para ela.
Entretanto, tudo mudou quando, no final de 2020, Mariana teve coid-19 e foi entubada, ficou 33 dias em coma. Ao acordar e sem lembrar de nada, disse, “o primeiro pensamento que me veio foi que se eu tivesse morrido, eu não teria feito a vontade de Deus”. Depois de receber alta e de alguns meses em recuperação, Mariana conversou com seu diretor espiritual e com seu pároco e retomou sua caminhada vocacional. Foram três anos e meio de conversas e acompanhamento com o arcebispo de Florianópolis, dom Wilson Tadeu Jönck, até sua consagração em 15 de agosto.
“Com meus 16 anos, eu já tinha dito em oração que não me relacionaria com ninguém até ter certeza da minha vocação, então, já tinha um voto, mas precisava da confirmação da Igreja, por isso fui atrás dessa consagração que é feita ao bispo e que mostra também essa hierarquia na Igreja, de saber o meu lugar, mas também de ver a beleza de ser leigo e me doar na paróquia”, disse.
A importância dos meios de comunicação
Mariana Guaita contou que, depois de sua consagração – a primeira de Florianópolis –, hoje ela já conversa “com seis mulheres de Santa Catarina, sendo duas de 18 anos”, que querem saber mais sobre a ordem das virgens. “As pessoas têm procurado”, disse, “principalmente as mais novinhas porque conhecerem nas redes sociais”.
Para a representante da ordem das virgens na CMOVIC, Maria Augusta Barbosa, os meios de comunicação social, sobretudo a internet e as redes sociais, têm desempenhado um importante papel na divulgação da ordem das virgens. “A partir de 2018, com a mídia toda, com esse conteúdo podendo estar mais acessível às interessadas” facilitou para as candidatas à ordem das virgens e também para os bispos, pois “alguns bispos ainda não têm muita ciência”.
Para ela, essa situação está começando a mudar aos poucos. Embora o rito de consagração das virgens tenha sido restabelecido em 1970 e as primeiras consagrações no país tenham acontecido em 1971, “só em fevereiro de 2024 que a ordem das virgens foi convidada a participar da Comissão Episcopal para os Ministérios Ordenados e a Vida Consagrada da CNBB” e, “em outubro de 2023, o Brasil passo a ter uma representante na equipe das virgens consagradas da América Latina”, que é a própria Maria Augusta.
Ela ressaltou, porém, que não há uma associação nacional da ordem das virgens, já que as consagradas respondem diretamente ao seu bispo. “É uma consagração na Igreja particular”, o que dificulta até mesmo a ter dados mais amplos sobre essa formação de vida no país. Segundo dados consultados em agosto deste ano por Maria Augusta, no Brasil há cerca de 224 consagradas e 90 candidatas. O número de consagrações na ordem das virgens no país desde 1971 é de 370.
“Eu vejo como uma gota d’água no oceano”, disse Maria Augusta, destacando que, “como esposas de Cristo”, as virgens se consagram “para o serviço na diocese, na arquidiocese e também na Igreja universal”. “Cada um de nós pode contribuir, de coração, fazendo parte da nossa consagração a nossa doação para a Igreja, nossa Igreja particular, e a Igreja no mundo todo”, disse.
Maria Angela Borsoi, a terceira virgem consagrada do Brasil, disse à ACI Digital, depois de mais de 50 anos de consagração: “Ter certeza, desde o início, de ter encontrado meu lugar na Igreja”.
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Natalia Zimbrão é formada em Jornalismo pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. É jornalista da ACI Digital desde 2015. Tem experiência anterior em revista, rádio e jornalismo on-line.
Fonte Aci Digital.: https:\\www.acidigital.com
Mariana Guaita prostrada durante a ladainha em sua consagração 17 de set de 2025 às 15:36
“Eu queria estar no mundo, mas com esse olhar realmente voltado para Deus, ter uma entrega de vida total a Deus”, disse à ACI Digital a analista de marketing Mariana Fritegoto Guaita, 36 anos, que se consagrou na ordem das virgens, ou Ordo Virginum, em 15 de agosto. Ela se tornou a primeira virgem consagrada na arquidiocese de Florianópolis (SC). Para ela, há um crescimento dessa forma de vida e um interesse sobre essa vocação no Brasil, inclusive entre as jovens.
“O que vejo quando converso com outras mulheres, principalmente as jovens, é o mesmo discurso de quando eu conheci a ordem, é essa questão de poder estar no mundo, de ter uma vida paroquial, porque geralmente elas já são engajadas na paróquia, mas ao mesmo tempo poder doar a vida toda e ser realmente, de se ver realmente como esposa de Cristo”, disse.
As virgens consagradas remontam ao início do cristianismo, a exemplo de santas como Luzia, Inês, Águeda, Filomena. Com o tempo e o estabelecimento de ordens religiosas de mulheres, a ordem das virgens foi perdendo importância.
A retomada veio depois do Concílio Vaticano II. A constituição conciliar Sacrosanctum concilium diz sobre o rito da consagração das virgens, no número 80: “Reveja-se o rito da consagração das Virgens, que vem no Pontifical romano. Componha-se também um rito de profissão religiosa e de renovação de votos, a utilizar, salvo direito particular, por aqueles que fazem a profissão ou renovam os votos dentro da Missa, o qual contribua para maior unidade, sobriedade e dignidade. Será louvável fazer a profissão religiosa dentro da Missa”.
Em 1970, o papa Paulo VI promulgou o novo Rito de Consagração das Virgens.
O Código de Direito Canônico diz no cânon 604 que as virgens, “emitindo o santo propósito de seguir mais de perto a Cristo, são consagradas a Deus pelo Bispo diocesano segundo o rito litúrgico aprovado, se desposam misticamente com Cristo Filho de Deus e se dedicam ao serviço da Igreja”.
A ordem das virgens no Brasil
Pouco tempo depois da promulgação do novo rito de consagração das virgens, já começaram as primeiras consagrações no Brasil, “que foi o primeiro país na América Latina”, disse a virgem consagrada da arquidiocese de Belém (PA) Maria Augusta Barbosa, 62 anos, representante da ordem das virgens na Comissão Episcopal para os Ministérios Ordenados e a Vida Consagrada (CMOVIC) da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Segundo o site da CMOVIC, as primeiras consagrações no Brasil aconteceram em 1971, 1972 e 1973. A primeira consagrada de que se tem registro foi Ivone Leite de Faria (1924-2007), que fez sua consagração na arquidiocese de Aracaju (SE), por dom Clemente Isnard. A terceira consagrada é Maria Angela Borsoi, que atualmente está com 86 anos. Ela foi secretária do arcebispo de São Paulo (SP), cardeal Paulo Evaristo Arns, que lhe apresentou essa forma de vida consagrada.
Maria Angela Borsoi contou à ACI Digital que desde os 17 anos, sabia que sua vocação “não era a de constituir família” e, “com anuência e incentivo do sacerdote” com quem se confessava, consagrou-se particularmente. Aos 21 anos, conheceu o grupo de mulheres da Ação Católica, “que viviam em seus ambientes como leigas consagradas”, do qual passou a fazer parte.
A Ação Católica começou no final do século XIX na Europa com o objetivo de se contrapor ao fascismo e ao comunismo, ambos anticlericais, e dar vazão à participação política dos católicos.
Em 1967, Maria Angela conheceu dom Paulo Evaristo Arns, franciscano de Santa Catarina, então bispo auxiliar em São Paulo (SP), e que se tornaria um dos grandes defensores da Teologia da Libertação, de caráter marxista, dentro da hierarquia católica brasileira.
“Ocorre que a renovação e as reformas conciliares que recaindo sobre inúmeras famílias religiosas causaram, como sabemos, desistências de muitos membros, atingiram também nosso grupo, motivo pelo qual grande número de participantes, dentre as quais eu mesma, tomamos conjuntamente a decisão de sair”, recordou. “Nossa sensação continuava sendo de ‘orfandade’ quando, sem alarde nenhum e sem nada dos meios de comunicação que hoje conhecemos, começou a circular, discreta e lentamente aqui no Brasil, o decreto/1970 da Sagrada Congregação para o Culto Divino, através do qual era restabelecida a possibilidade de as leigas de vida secular receberem a antiga consagração das virgens”, disse.
Borsoi contou que, embora o decreto tivesse entrado em vigor em 1971, dom Paulo Evaristo Arns “só ficou sabendo da novidade ao receber pelo correio a revista SEDOC da Vozes em abril de 1972”. “Chamou-me e leu para mim a novidade, causando-me a maior emoção e alegria, pois vinha de encontro ao que já por um ano eu procurava. Como ele já conhecia minha situação e expectativa, foi só marcar a data da consagração: 31 de maio de 1972”, contou. Dom Paulo celebrou outras consagrações em São Paulo.
Para Maria Angela Borsoi, o motivo para a restauração da ordem das virgens pelo Concílio Vaticano II “foi simplesmente um dos muitos resultados da profunda e ampla renovação na Igreja”. O “protagonismo do laicato” teria sido um dos motivos que levaram dom Paulo Evaristo Arns a incentivar as virgens consagradas. Dom Paulo foi eleito bispo auxiliar de São Paulo em 1966. O Concílio Vaticano II havia terminado no ano anterior. Segundo Maria Angela, antes, como frade franciscano, dom Paulo atuou no Instituto Teológico Francisco e na Editora Vozes, em Petrópolis (RJ), como “redator de revistas” e “traduziu diversos documentos conciliares” para o português. “Dom Paulo se mostrava fortemente entusiasmado com toda a atmosfera vivida na Igreja, mas particularmente pela eclesiologia da Lumen gentium e a abertura ao protagonismo do laicato a partir do tríplice múnus infundido no batismo, ou seja, as funções sacerdotal, profética e régia de cada cristão”.
“Para mim, até hoje, foi o entusiasmo dele, a paixão pela vida consagrada em geral, e seu carisma em atrair leigos e leigas para a missão evangelizadora que explicam, com clareza cristalina, sua convicção e seu empenho incomuns ao trazer sem perda de tempo a novidade dessa consagração secular feminina para sua arquidiocese”, disse.
Borsoi citou uma palestra de dom Paulo, de 1980, em que ele falou sobre como poucos bispos tinham conhecimento sobre as virgens consagradas. “Os bispos que mais se interessam por participação do povo começam a se interessar mesmo”, disse o arcebispo, acrescentando que “nosso estilo de consagração é uma estrutura eclesial e não um movimento”. “Precisamos aprofundar o estudo sobre o que é a Igreja, esta Igreja que não está preparada para receber as novas estruturas, a fim de que a mesma possa receber a estrutura nova que é a mulher consagrada”, disse.
Na mesma palestra, proferida em um retiro de virgens consagradas, dom Paulo disse: “Então, pertence a cada uma, segundo a sua região, o empenho em incentivar os bispos que lá trabalham para que não só tomem conhecimento, mas que se envolvam nisso, que é algo que brota não só da realidade, mas também de um desejo profunda da própria Igreja universal”.
Maria Angela Borsoi recordou ainda uma iniciativa que tomaram em 1982, quando, “com devido apoio e aprovação de dom Paulo”, enviaram uma “carta circular” para as dioceses do Brasil “apresentando a nova forma de vida consagrada e a experiência que prosperava na arquidiocese de São Paulo”, perguntando se a diocese “havia alguma consagrada ou candidatada” e oferecendo “material produzido” sobre essa vocação. “Apesar do otimismo de nossa expectativa, o retorno de respostas foi praticamente nulo”, contou.
Apesar das dificuldades nas primeiras décadas dessa forma de consagração no Brasil, Maria Angela disse que observa um crescimento da ordem das virgens no país nos últimos anos, “sobretudo de 2015 para cá”. “O avanço da tecnologia digital a meu ver tem ajudado bastante a tornar essa vocação conhecida”, disse, acrescentando que o interesse das mulheres por essa consagração, como vê em sua própria experiência, é por “ter recebido o chamado à consagração, mas ao mesmo tempo não aceitar enquadrar-se nos formatos e estruturas conventuais conhecidos”.
Mariana Guaita, de Florianópolis, viveu essa experiência. Ela teve sua “primeira experiência com Deus” em um grupo de oração da Renovação Carismática Católica, por volta dos “13, 14 anos” e, “aos 16 anos, já sabia que Deus” a “chamava para algo”. Conheceu algumas novas comunidades, movimentos, congregações, mas não se encontrava nelas. “Eu sempre fui muito envolvida na paróquia”, disse, e mesmo quando ia a outros locais, “ficava muito inquieta”, pensado que era na paróquia onde participava, “recebia todos os sacramentos”.
Mas, foi só em 2019 que Mariana conheceu a ordem das virgens, através de um vídeo enviado por um amigo. “Quando assisti aquele vídeo, tive certeza de que era isso”.
Um ano antes, em 2018, a Congregação (hoje, dicastério) para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica da Santa Sé publicou a instrução Ecclesiae Sponsae Imago sobre o Ordo Virginum. Mariana adquiriu este documento e, ao lê-lo, pensou que “aquilo era muito” e não seria uma vocação para ela.
Entretanto, tudo mudou quando, no final de 2020, Mariana teve coid-19 e foi entubada, ficou 33 dias em coma. Ao acordar e sem lembrar de nada, disse, “o primeiro pensamento que me veio foi que se eu tivesse morrido, eu não teria feito a vontade de Deus”. Depois de receber alta e de alguns meses em recuperação, Mariana conversou com seu diretor espiritual e com seu pároco e retomou sua caminhada vocacional. Foram três anos e meio de conversas e acompanhamento com o arcebispo de Florianópolis, dom Wilson Tadeu Jönck, até sua consagração em 15 de agosto.
“Com meus 16 anos, eu já tinha dito em oração que não me relacionaria com ninguém até ter certeza da minha vocação, então, já tinha um voto, mas precisava da confirmação da Igreja, por isso fui atrás dessa consagração que é feita ao bispo e que mostra também essa hierarquia na Igreja, de saber o meu lugar, mas também de ver a beleza de ser leigo e me doar na paróquia”, disse.
A importância dos meios de comunicação
Mariana Guaita contou que, depois de sua consagração – a primeira de Florianópolis –, hoje ela já conversa “com seis mulheres de Santa Catarina, sendo duas de 18 anos”, que querem saber mais sobre a ordem das virgens. “As pessoas têm procurado”, disse, “principalmente as mais novinhas porque conhecerem nas redes sociais”.
Para a representante da ordem das virgens na CMOVIC, Maria Augusta Barbosa, os meios de comunicação social, sobretudo a internet e as redes sociais, têm desempenhado um importante papel na divulgação da ordem das virgens. “A partir de 2018, com a mídia toda, com esse conteúdo podendo estar mais acessível às interessadas” facilitou para as candidatas à ordem das virgens e também para os bispos, pois “alguns bispos ainda não têm muita ciência”.
Para ela, essa situação está começando a mudar aos poucos. Embora o rito de consagração das virgens tenha sido restabelecido em 1970 e as primeiras consagrações no país tenham acontecido em 1971, “só em fevereiro de 2024 que a ordem das virgens foi convidada a participar da Comissão Episcopal para os Ministérios Ordenados e a Vida Consagrada da CNBB” e, “em outubro de 2023, o Brasil passo a ter uma representante na equipe das virgens consagradas da América Latina”, que é a própria Maria Augusta.
Ela ressaltou, porém, que não há uma associação nacional da ordem das virgens, já que as consagradas respondem diretamente ao seu bispo. “É uma consagração na Igreja particular”, o que dificulta até mesmo a ter dados mais amplos sobre essa formação de vida no país. Segundo dados consultados em agosto deste ano por Maria Augusta, no Brasil há cerca de 224 consagradas e 90 candidatas. O número de consagrações na ordem das virgens no país desde 1971 é de 370.
“Eu vejo como uma gota d’água no oceano”, disse Maria Augusta, destacando que, “como esposas de Cristo”, as virgens se consagram “para o serviço na diocese, na arquidiocese e também na Igreja universal”. “Cada um de nós pode contribuir, de coração, fazendo parte da nossa consagração a nossa doação para a Igreja, nossa Igreja particular, e a Igreja no mundo todo”, disse.
Maria Angela Borsoi, a terceira virgem consagrada do Brasil, disse à ACI Digital, depois de mais de 50 anos de consagração: “Ter certeza, desde o início, de ter encontrado meu lugar na Igreja”.
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Natalia Zimbrão é formada em Jornalismo pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. É jornalista da ACI Digital desde 2015. Tem experiência anterior em revista, rádio e jornalismo on-line.
Fonte Aci Digital.: https:\\www.acidigital.com
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