A VIDA DE JESUS CHEIA DE TORMENTOS E MARTÍRIOS:
Sumário. A vida de Jesus Cristo foi um
martírio contínuo, e mesmo um duplo martírio, porque tinha continuamente diante
dos olhos todas as dores que haviam de atormentá-Lo até à morte. Entre todas
aquelas dores, porém, a que mais o afligiu, foi a previsão dos nossos pecados e
da nossa ingratidão depois de tamanho amor da sua parte. É, pois, verdade, ó
Jesus, que com os meus pecados Vos tenho causado aflição durante toda a vossa
vida!
I. Jesus Cristo podia salvar-nos sem padecer nem
morrer; mas não quis. A fim de nos fazer conhecer até que ponto nos amava, quis
escolher uma vida toda de tribulações. Por isso, o profeta Isaías o chamou:
virum dolorum — “Homem das dores”, porque a vida de Jesus Cristo devia ser uma
vida toda cheia de dores. A sua Paixão não teve seu princípio no tempo da sua
morte, mas sim, no começo da sua vida.
Vede que Jesus, apenas nascido, é posto na
manjedoura de uma estrebaria, onde tudo concorria para o atormentar. É
atormentado na vista, que não descobre na gruta senão paredes grosseiras e
negras. É atormentado no olfato, pelo fedor das imundícies dos animais que ali
se acham. É atormentado no tato, pelas picadas da palha que lhe servia de cama.
Pouco depois de nascido, vê-se obrigado a fugir para o Egito, onde passou
vários anos da infância, na pobreza e no desprezo. Nem diferente foi a sua vida
depois em Nazaré; e eis que finalmente termina a sua vida em Jerusalém,
morrendo sobre uma cruz, pela veemência dos tormentos.
De sorte que a vida de Jesus foi um martírio
contínuo, e mesmo um duplo martírio, por ter sempre diante dos olhos todos os
sofrimentos que em seguida deviam atormentá-Lo até à morte. À soror Maria
Madalena Orsini, queixando-se um dia a Jesus crucificado, disse-lhe:
“Mas, Senhor, Vós passastes somente três horas
pregado na cruz, ao passo que eu já estou sofrendo vários anos” Jesus, porém
respondeu-lhe: “Ó ignorante! Que estás dizendo? Desde antes de nascer sofri
todas as dores da minha vida e da minha morte.”
II. Não foram precisamente as dores futuras que
atormentaram Jesus Cristo, visto que de livre vontade aceitara os padecimentos.
O que O afligiu foi a previsão dos nossos pecados e da nossa ingratidão depois
de tão grande amor seu. Santa Margarida de Cortona não se cansava de chorar as
ofensas feitas a Deus, até que um dia o confessor lhe disse: “Margarida, basta;
não chores mais porque Deus já te perdoou.” A Santa, porém, respondeu: “Ah, meu
Pai, como poderei deixar de chorar, sabendo que os meu pecados têm afligido o
meu Jesus durante sua vida toda?
É, pois, verdade, ó meu doce Amor, que eu também,
pelos meus pecados, Vos tenho afligido todo o tempo da vossa vida? Dizei-me
agora, ó meu Jesus, o que tenho de fazer, para me poderdes perdoar; que de boa
vontade o hei de fazer. Arrependo-me, ó Bem supremo, de todas as ofensas que
Vos tenho feito. Arrependo-me e amo-Vos mais do que a mim mesmo. Sinto-me com
um grande desejo de Vos amar, sois Vós que me destes este desejo; dai-me
portanto também forças para Vos amar muito. Justo é que Vos ame muito, eu que
tantas vezes Vos tenho ofendido.
Lembrai-me sempre o amor que me tendes mostrado, a
fim de que a minha alma esteja sempre abrasada em vosso amor, sempre pense em
Vós, não suspire senão por Vós, e só a Vós procure agradar. Ó Deus de amor, a
Vós me entrego todo, eu que em outros tempos fui escravo do inferno. Aceitai-me
por piedade e prendei-me com os laços de vosso amor. Meu Jesus, para o futuro
quero sempre viver amando-Vos, e amando-Vos quero morrer.
Ó Maria, Mãe e Esperança minha, ajudai-me a amar o
vosso e meu Deus amado; é esta a única graça que vos peço e de vós a espero.
(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos
os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a
Semana Santa Inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 99-101)
Fonte do texto:
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